segunda-feira, 25 de abril de 2011

17 anos

Olha-se para uma fotografia antiga, que o tempo amareleceu e o que nos vem à cabeça??
Os anos perdidos( ou ganhos) , as asneiras feitas, os amores vividos, os passos dados, a obra realizada ...Sim, todos, mais ou menos, afinamos neste particular pelo mesmo diapasão.A saudade roí as entranhas, a melancolia instala-se se não temos cautela.
Por que se diz que não devemos olhar para o passado? É no passado que reside a nossa certeza pois o futuro é o desconhecido.É la, nessa gaveta dourada, que temos tudo o que fez de nos o que somos hoje. E por que não abri-la??Solta-se leve, uma"enfleurage-mix" de sandalo, bergamota e âmbar...
Nao se resiste!!

cerrar as portas de Abril??

De tudo o que Abril abriu
ainda pouco se disse
um menino que sorriu
uma porta que se abrisse
um fruto que se expandiu
um pão que se repartisse
um capitão que seguiu
o que a história lhe predisse
e entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo que levantava
sobre um rio de pobreza
a bandeira em que ondulava
a sua própria grandeza!
De tudo o que Abril abriu
ainda pouco se disse
e só nos faltava agora
que este Abril não se cumprisse.
Só nos faltava que os cães
viessem ferrar o dente
na carne dos capitães
que se arriscaram na frente.

Na frente de todos nós
povo soberano e total
que ao mesmo tempo é a voz
e o braço de Portugal.

Ouvi banqueiros fascistas
agiotas do lazer
latifundiários machistas
balofos verbos de encher
e outras coisas em istas
que não cabe dizer aqui
que aos capitães progressistas
o povo deu o poder!
E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe!
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu!



Ary dos Santos

Ei-lo!Um dos sonetos de Antero que eu mais gosto.Espero que gostem ..

Na mão de Deus, na sua mão direita,

Descansou afinal meu coração.

Do palácio encantado da Ilusão

Desci a passo e passo a escada estreita.


Como as flores mortais, com que se enfeita

A ignorância infantil, despojo vão,

Depus do Ideal e da Paixão

A forma transitória e imperfeita.


Como criança. em lôbrega jornada,

Que a mãe leva ao colo agasalhada

E atravessa, sorrindo vagamente,


Selvas, mares, areias do deserto...

Dorme o teu sono, coração liberto,

Dorme na não de Deus eternamente!

Antero de Quental

Rumo ao Sul

Como as andorinhas
Hei-de partir um dia,
Talvez, rumo ao Sul.
.
.
Esse Sul, de paredes
Violentamente caiadas,
Onde a luz dói, o corpo arde
E a Eternidade é liquida e azul.
.
.
Algures, à sombra doce das acácias
Ou sob a luz branca das estrelas,
Ainda hei-de ser feliz!!!
.
.
Sem grilhetas ou mordaças;
Sequer a espora do desejo
A cravar-se, fundo, na carne.
.
Livre!! Feita onda ou ave.

Clarice Silvestre

domingo, 24 de abril de 2011

Boca de ressurreição

As tuas palavras
Provocam-me estremecimentos,
Ó meu poeta, de noites viúvas
E de auroras carregadas de madrigais.

Na tua boca,
Com hálito de jasmins,
Há o repicar festivo
Dos sinos da minha aldeia,
Frescura de rosas orvalhadas
E a serenidade dos lagos.


Boca de ressurreição,
Donde as palavras se soltam mansas
Como andorinhas dos beirais


Nela, eu descubro as minhas próprias palavras
Que, às minhas mãos,
morreram trucidadas,
Selvaticamente, num estertor de ais.


Clarice Silvestre

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sábado, 23 de abril de 2011

Sarah Brightman - ANDREA BOCCELLI - TIME TO SAY - LEGENDADO

Silencio

Apenas um adejar de asas
Quebra por um momento
O silêncio de mármore
Inteiro e denso.
Apenas nesse momento,
O alivio do sol.
Que cai a prumo
na pele sofrida.
Apenas nesse curto momento,
A garganta se atreve
A uma nota musical
Que vibra solta
Em reverberações de luz.
Por um momento
As minhas veias azuis
Deixam de parecer rotas
De um atlas
Percorrido..

Depois, outra vez o silencio.
Um silencio liquido e salgado,
Que agrilhoa e esmaga.
E vindo de todos os lados
Surges-me, intenso, tu.

Senhor da minha vida.
Omnipotente,
Na tua missão de carrasco...


Clarice Silvestre

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Nossa Senhora- De Jose Regio

Acordei hoje, a silabar este poema belíssimo, que conheço desde os meus 15 ou 16 anos,porque inserida na "Selecta Literária", o meu manual de português, então.
Na altura,não havia "semanadas" e eu tinha apenas o que os meus pais, pessoas humildes, me podiam dar.Daí que li livros e livros da Biblioteca Itinerante Calouste Gulbenkian,pedia emprestado qualquer livro que visse na casa dos amigos e devorei a minha Selecta Literária. Alias conservei-a durante montes de anos, tamanho era o vinculo que criei com esse pesado e gordo livro.
Foi nele que conheci os mais belos poemas dos nossos maiores poetas.Foi aí que li este, do José Régio, que deixou uma marca tão profunda em mim que um dia me aventurei a meter as mãos em barro e a moldar uma nossa senhora por não poder ter uma que fosse de madeira..A minha Nossa Senhora , tinha uma ar angelical de frente mas de lado tinha um perfil de bruxa, e carregava ao colo um Menino Jesus com um rosto absolutamente , de símio, que eu, matreiramente, tentei disfarçar colocando-o sob o manto da Mae!!
Hoje já desisti de ter a minha Nossa senhora. Mas sei o poema de cor e salteado. Deixo-o aqui, para quem conhece e não conhece. Uma delicia!!
Para a próxima será a vez de Antero.
Vá la , leiam!!


Nossa Senhora


Tenho ao cimo da escada, de maneira
Que logo, entrando, os olhos me dão nela,
Uma Nossa Senhora de madeira,
Arrancada a um Calvário de Capela.

Põe as mãos com fervor e angústia.
O manto cobre-lhe a testa, os ombros, cai composto;
E uma expressão de febre e espanto
Quase lhe afeia o fino rosto.

Mãe de Deus, seus olhos enevoados
Olham, chorosos, fixos, muito além ...
E eu, ao passar, detenho os passos apressados,
Peço-lhe – “A Sua bênção, Mãe !”

Sim, fazemo-nos boa companhia
E não me assusta a Sua dor: quase me apraz
O Filho dessa Mãe nunca mais morre. Aleluia !
Só isto bastaria a me dar paz.

- “Porque choras, Mulher ?” – docemente a repreendo.
Mas à minh’alma, então, chega de longe a sua voz
Que eu bem entendo: -“Não é por Ele” ...
“Eu sei ! Teus filhos somos nós”.

José Régio

segunda-feira, 11 de abril de 2011

do Livro "Amar a Vida Inteira"a publicar brevemente

Amo-te. Basta-me um pássaro,
uma árvore
para me transportar ao jardim
de ti — um livro, uma palavra, o peso
do silêncio
para me levarem ao poço de ti,
aos teus olhos que ofuscam
o cristal da manhã; à tua boca
aproximando-se da minha pele
como se regressasse a casa.
Cantar-te é desfazer o nevoeiro da minha vida,
desfiar uma chama, ardendo lenta,
que não se via. E basta-me um vinho
ou a tua língua,
ou a memória dela
para que em mim disparem águas
trémulas — ainda são — e por isso
quando te amo
sou um pouco essa montanha que tece com o vento
uma combustão muito lenta muito paciente
como se todo o fulgor da vida
se concentrasse nos vales e nos rios do teu corpo.


Casimiro de Brito

domingo, 10 de abril de 2011

mais poesia

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco

Mário Cesariny

terça-feira, 5 de abril de 2011

Os cavalos de Tarquinia

Pode ser ! Ou nao!!

Nao deixe o amor passar. Quando encontrar alguém e esse alguém fizer seu coração parar de funcionar por alguns segundos, preste atenção: pode ser a pessoa mais importante da sua vida. Se os olhares se cruzarem e neste momento, houver o mesmo brilho intenso entre eles, fique alerta: pode ser a pessoa que você está esperando desde o dia em que nasceu.
Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Como se fosse uma carta...

Minha doce mãe costumava dizer-me, depois de uma noite de insónia: Como não dormia pus-me a fazer cartas!
Eu não escrevo cartas, para vencer qualquer insónia: quando muito o que eu desejo será um pouco de tranquilidade , um serenar este coração em bulício, adormecer, talvez, ainda que muito pouco, este cérebro que te memorizou os poros ,que te sabe de cor as inflexões da voz, que insiste em me trazer vivo o sabor das tua boca, e o brilho intenso dos teus olhos pagãos.
Não te sei dizer, não, não sei, as vezes que vens,durante o dia, insinuar-te no meu mundo,num tropel de imagens e palavras,como se de uma obsessão se tratasse e,sem que, aparentemente,eu lhe consiga a cura.
Apesar dos pedidos que faço às aves de Abril, e ao vento sul!!
Pelo menos fica a esperança pois o vento parece dizer num sopro brando :Ha-de passar...ha-de passar...ha-de passar.
E eu,sem crer muito , digo :Ha-de!!!