sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Fernando Pessoa,

Cansa ser, sentir dói, pensar destruir.
 
 Cansa ser, sentir dói, pensar destruir.
Alheia a nós, em nós e fora,
Rui a hora, e tudo nela rui.
Inutilmente a alma o chora. De que serve ? O que é que tem que servir ?
Pálido esboço leve
Do sol de inverno sobre meu leito a sorrir...
Vago sussuro breve.
Das pequenas vozes com que a manhã acorda,
Da fútil promessa do dia,
Morta ao nascer, na 'sperança longínqua e absurda
Em que a alma se fia. 

Miguel Torga

Mãe:
Que desgraça na vida aconteceu,
Que ficaste insensível e gelada?
Que todo o teu perfil se endureceu
Numa linha severa e desenhada?

Como as estátuas, que são gente nossa
Cansada de palavras e ternura,
Assim tu me pareces no teu leito.
Presença cinzelada em pedra dura,
Que não tem coração dentro do peito.

Chamo aos gritos por ti — não me respondes.
Beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio.
Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes
Por detrás do terror deste vazio.

Mãe:
Abre os olhos ao menos, diz que sim!
Diz que me vês ainda, que me queres.
Que és a eterna mulher entre as mulheres.
Que nem a morte te afastou de mim!

Miguel Torga, in 'Diário IV'


Súplica

Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.

Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

De Mª Teresa Horta

Poema sobre a recusa


Como é possível perder-te

sem nunca te ter achado

nem na polpa dos meus dedos

se ter formado o afago

sem termos sido a cidade

nem termos rasgado pedras

sem descobrirmos a cor

nem o interior da erva.



Como é possível perder-te

sem nunca te ter achado

minha raiva de ternura

meu ódio de conhecer-te

minha alegria profunda

Maria Teresa Horta



Os silêncios da fala

São tantos

os silêncios da fala

De sede

De saliva

De suor


Silêncios de silex

no corpo do silêncio

Silêncios de vento

de mar

e de torpor


De amor

Depois, há as jarras

com rosas de silêncio


Os gemidos

nas camas

As ancas

O sabor


O silêncio que posto

em cima do silêncio

usurpa do silêncio o seu magro labor.



in Vozes e Olhares no Feminino, Edições Afrontamento,
Porto 2001, pp. 40, 41

De Sophia de Mello Breyner

Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.

Para ti criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas.

Tambem Eugenio de Andrade

Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade, in “Poesia e Prosa”

Desde a Aurora

Como um sol de polpa escura
para levar à boca,
eis as mãos:
procuram-te desde o chão,

entre os veios do sono
e da memória procuram-te:
à vertigem do ar
abrem as portas:

vai entrar o vento ou o violento
aroma de uma candeia,
e subitamente a ferida
recomeça a sangrar:

é tempo de colher: a noite
iluminou-se bago a bago: vais surgir
para beber de um trago
como um grito contra o muro.

Sou eu, desde a aurora,
eu — a terra — que te procuro.

Eugénio de Andrade, in "Obscuro Domínio"


O Silêncio
Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,

e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,

quando azuis irrompem
os teus olhos

e procuram
nos meus navegação segura,

é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,

pelo silêncio fascinadas.

Eugénio de Andrade, in "Obscuro Domínio"

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Piensa en mi - Luz Casal

Corpos com travo

O corpo, a nossa parte física e tristemente mortal, tem, em termos anatómicos,as mais diferentes formas, sendo que todos somos  bonitos ou feios em diferentes gradações.
Isto para falar da anatomia, do que perece, do que herdamos geneticamente,do que não podemos alterar.
Mas, como sabemos, nada é a preto e branco. Os belos que são belos, fisicamente,podem ser vazios de beleza interior e desesperadamente feios,ou mesmo repelentes. E os repelentes, físicamente,se  tocados pela "anima",pela beleza interior que lhes dá aquela faisca, aquela centelha espiritual e divina ,tornam-se afinal em seres bonitos seres humanos.
Depois, independentemente destas considerações, existem os cheiros e os sabores que todos os corpos têm. Há corpos a cheirar a tomilho, a alfazema a gengibre. Corpos leves e suaves com cheiro fresco de lavanda; Outros com uma mistura da pimenta e tangerina; Outros cheiram a farinha, a pão acabado de fazer,a erva calcada,a pétalas maceradas,a malte,a trigo ao sol....sei lá!
E há também corpos com diferentes sabores:
Uns sabem a mosto,a giesta,a sal,a algas,a pimenta de Kaena,a açúcar mascavado ,a rosas...
Comanda-nos o coração, na definição do travo. Coração que é alheio à razão,já que esta é cega e levar-nos-ia a definição exacta do travo, qual enólogo ou enófilo ao degustar um vinho. Mais doce, menos doce, mais frutado , menos frutado..
Não mais que isso.
Mas o coração, esse fantástico músculo que bombeia o nosso sangue e ao qual está, desde sempre, afecta a nossa capacidade de amar, esquadrinhada e não visível pela ciência, esse , dizia, define para sempre ,e irremediavelmente, o travo de um corpo que se beija e se quer.

Elegi como o melhor, não perguntem porquê, até porque o beijei de fugida, o travo , único, amargo e doce, de urze e mel.

Um poema belissimo da nossa Rosa Lobato Faria e outro ainda que tambem gostei

Quem me quiser há-de saber as conchas
a cantigas dos búzios e do mar.
Quem me quiser há-de saber as ondas
e a verde tentação de naufragar.

Quem me quiser há-de saber as fontes,
a laranjeira em flor, a cor do feno,
à saudade lilás que há nos poentes,
o cheiro de maçãs que há no Inverno.

Quem me quiser há-de saber a chuva
que põe colares de pérolas nos ombros
há-de saber os beijos e as uvas
há-de saber as asas e os pombos.

Quem me quiser há-de saber os medos
que passam nos abismos infinitos
a nudez clamorosa dos meus dedos
o salmo penitente dos meus gritos.

Quem me quiser há-de saber a espuma
em que sou turbilhão, subitamente
- Ou então não saber a coisa nenhuma
e embalar-me ao peito, simplesmente.

Rosa Lobato de Faria





Afirmas que brigamos. Que foi grave.
Que o que dissemos já não tem perdão.
Que vais deixar aí a tua chave
E vais à cave içar o teu malão.

Mas como destrinçar os nossos bens?
Que livro? Que lembranças? Que papel?
Os meus olhos, bem vês, és tu que os tens.
Não te devolvo – é minha – a tua pele.

Achei ali um sonho muito velho,
Não sei se o queres levar, já está no fio.
E o teu casaco roto, aquele vermelho
Que eu costumo vestir quando está frio?

E a planta que eu comprei e tu regavas?
E o sol que dá no quarto de manhã?
É meu o teu cachorro que eu tratava?
É teu o meu canteiro de hortelã?

A qual de nós pertence este destino?
Este beijo era meu? Ou já não era?
E o que faço das praias que não vimos?
Das marés que estão lá à nossa espera?

Dividimos ao meio as madrugadas?
E a falésia das tardes de Novembro?
E as sonatas que ouvimos de mãos dadas?

De quem é esta briga? Não me lembro.

(ROSA LOBATO DE FARIA)

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Gracias a la vida que me ha dado tanto!!!

É a minha canção, já o disse. E hoje, numa manhã chuvosa ,de um Fevereiro cinzento e  inquieto, eu canto!.Canto como se não houvesse amanhã. "Até que a voz me doa". Porque a vida é isto, este conjunto de pequenos nadas que nos vão ou amargurando ou transformando a vida num alegre canteiro florido.De amores-perfeitos, malmequeres? Sim , também! Mas  florido!!
Com as fibras do meu corpo estimuladas e vivas esta sou eu, quase intemporal  e menina a agradecer ao universo as benesses recebidas.
Obrigada vida que tanto me tens dado!  :)
E.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Poesia- alguns dos meus preferidos

Florbela Espanca está desde a minha adolescência no top dos poetas portugueses preferidos.Pela tristeza inata tão igual à minha, pela alma igualmente lacerada , por um intimo sentir tão semelhante, pelos sonhos e quimeras,até pelos nervos frágeis ,como "guisos de oiro" por tudo , mas sobretudo pela sua arte magistral de construir um soneto a ela devoto uma admiração enorme.

Por mim ,ficar-me-ei sempre por uns pobres poemas que envergonhada, mantenho, por ai guardados de olhares profanos.
Mas, como disse já, a par das telas que pouco a pouco se vão amontoando na minha casa e que tentarei também partilhar convosco , através de fotos, publicarei neste espaço alguns dos meus poemas favoritos.
Convencida que estou que "Ser poeta é ser mais Alto, é ser Maior..."


Sei lá! Sei lá! Eu sei lá bem
Quem sou? um fogo-fátuo, uma miragem...
Sou um reflexo...um canto de paisagem
Ou apenas cenário! Um vaivém

Como a sorte: hoje aqui, depois além!
Sei lá quem sou?Sei lá! Sou a roupagem
De um doido que partiu numa romagem
E nunca mais voltou! Eu sei lá quem!...

Sou um verme que um dia quis ser astro...
Uma estátua truncada de alabastro...
Uma chaga sangrenta do Senhor...

Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados,
Num mundo de maldades e pecados,
Sou mais um mau, sou mais um pecador...

Florbela Espanca


Alma perdida


Toda esta noite o rouxinol chorou,
Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
Alma de rouxinol, alma da gente,
Tu és, talvez, alguém que se finou!

Tu és, talvez, um sonho que passou,
Que se fundiu na Dor, suavemente...
Talvez sejas a alma, a alma doente
Dalguém que quis amar e nunca amou!

Toda a noite choraste... e eu chorei
Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
Que ninguém é mais triste do que nós!

Contaste tanta coisa à noite calma,
Que eu pensei que tu eras a minh'alma
Que chorasse perdida em tua voz!...

Florbela Espanca



Eu ...

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho,e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida ...

Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!

Florbela Espanca



Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

Florbela_Espanca




Ó minha terra na planície rasa,
Branca de sol e cal e de luar,
Minha terra que nunca viu o mar
Onde tenho o meu pão e a minha casa…

Minha terra de tardes sem uma asa,
Sem um bater de folha… a dormitar…
Meu anel de rubis a flamejar,
Minha terra mourisca a arder em brasa!

Minha terra onde meu irmão nasceu…
Aonde a mãe que eu tive e que morreu,
Foi moça e loira, amou e foi amada…

Truz… truz… truz… Eu não tenho onde me acoite,
Sou um pobre de longe, é quase noite…
Terra, quero dormir… dá-me pousada!

Florbela Espanca - Charneca Em Flor

domingo, 6 de fevereiro de 2011

As minhas escolhas para o Blog

Decidi abrir o leque de temas no meu blog. Claro que o tempo é muito escasso para proceder a remodelações e criar um espaço agradável de partilha de ideias, de imagens, sejam elas pintadas ou escritas. Se o tempo escasseia obviamente que tenho de confessar a bem da verdade, que o jeito para manusear as ferramentas do Blogger é muito fraco ou mesmo nulo. Portanto, como se pode ver facilmente há uma certa anarquia um certo caos reinantes. A promessa então de um arranjo que se impõe.
A poesia é outro dos meus fraquinhos embora me sinta absolutamente frustrada enquanto escritora. O que escrevo, é de sopetão e o que sai, nunca tem qualidade alguma. Claro que a falta de génio é que esta na origem da ausência de qualidade e não o tempo de fabrico do poema. De qualquer forma, poderá este espaço ser de partilha de gostos poéticos e pictóricos já que ambos se inserem na arte em sentido lato.
Vamos ver, então!

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Lila Downs canta Paloma negra

JOAN BAEZ "Gracias A La Vida" - Live

"Singular Feminino" A minha exposiçao em Miranda do Douro

Amigos ,colegas das Artes (os  Pessimistas e outros):




Obviamente que depois mando ou entrego os convites.É  um pouco longe mas voces sabem que apenas o dificil , morbidamente, me da alguma pica!Portanto ,se quiserem  comparecer é dia 4 do  proximo mes pelas 18 h.A  estalagem é optima.A Barragem, onde tantas vezes pesquei com o meu pai tem  um espaço para convivios  muito agradavel.Vamos a Miranda ver os Pauliteiros?

Exposiçao em Vila Viçosa dedicada a Florbela Espanca

Ja foi. Sem pompa ou circunstancia! De  5 até 19/12/2010 la esteve  patente a minha exposição,na  terra que viu nascer Florbela Espanca.
Uma vez mais , em homenagem á sua lira,à sua vida. Para que pelo menos quem a  visitasse ,se lembrar que foi em Vila Viçosa que nasceu e viveu esta estranha e sublime poetisa  cujo vibrar de alma produziu dos mais belos sonetos feitos em língua portuguesa..

Exposição em Vila Viçosa "Com Florbela Espanca"